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Joaquim Guerrinha

Joaquim GuerrinhaJoaquim Guerrinha foi um músico com qualidades reconhecidas e um pioneiro da causa dos cegos em Portugal.

A música como vocação e emancipação

Joaquim Guerrinha nasce no dia 1 de fevereiro de 1913, no Gainho, Herdade do Gaio. Apenas com 18 meses, em virtude de um acidente que resulta numa conjuntivite grave, fica cego total.

Durante o resto da primeira infância vive no Carapinhal, Santiago do Cacém.

Aos sete anos ingressa no Instituto de Cegos “Branco Rodrigues”. É nesse internato que completa a instrução primária.

O primeiro momento em que se apercebe que os cegos são “um reino à parte” na sociedade acontece quando não lhe é permitido inscrever-se no ensino liceal. Prossegue no entanto estudos complementares no próprio instituto e, a par, estudos musicais no Conservatório Nacional de Música, onde se revela um aluno brilhante.

Em 1931, dá início ao Curso Superior de Piano, no Conservatório, na classe do célebre professor Lourenço Varella Cid.

Apenas um ano depois, por razões que nunca ficam claras, sai do Instituto “Branco Rodrigues”. Mora em quartos alugados, trabalha como músico em estabelecimentos como o Café Portugal e, com a ajuda da Associação “Louis Braille” e do Rotary Club de Lisboa, consegue concluir os seus estudos musicais. A nota no exame final, realizado em 1935, é reveladora da sua aptidão: 19 valores.

Nesse mesmo ano, concorre ao prestigiado Prémio Oficial do Conservatório. Perante um júri de que fazia parte Vianna da Mota, entre outros professores, a sua interpretação da “Fantasia em Dó Maior”, de Schumann, vale-lhe o primeiro prémio. O facto é notícia nos principais jornais nacionais, do “Século” à “República”.

Em defesa dos cegos

Paralelamente à carreira artística, Joaquim começa a intervir com crescente determinação na vida associativa e na luta pelo reconhecimento da dignidade e dos direitos dos cegos. Realiza palestras em vários pontos do país e publica artigos nos jornais sobre a condição dos invisuais através dos tempos.

Em 1941 entra na direção da Associação “Louis Braille” e, na particularmente difícil década de 40, é responsável pela resolução do problema dos músicos ambulantes (cuja atividade tinha sido proibida) e pela criação de uma pequena cooperativa que garante alimentação aos cegos durante os racionamentos da II Grande Guerra.

Entretanto, a vida musical orienta-se no final dos anos 30 para duas direções: a da subsistência e a puramente artística.

Para sustentar-se a si próprio e à família que constitui nos anos quarenta (casa em 1941 e tem os três filhos entre 1942 e 1946) trabalha pela noite dentro em cafés, salões de festas, sociedades recreativas, bares e cabarets.

A partir de 1938, tem início uma experiência mais realizadora: em conjunto com um grupo de alunos do Instituto “Branco Rodrigues” forma o Sexteto (mais tarde Septeto) de Artistas Cegos, que fica vinculado à Emissora Nacional até 1971. Durante a sua rara longevidade, o agrupamento efetua mais de 1700 recitais, com caráter semanal.

A experiência associativa que o ocupa até à morte é a Liga de Cegos “João de Deus”, em cuja fundação participa, em 1951.

Na Liga “João de Deus”, que viria a ser absorvida em 1989 pela ACAPO (Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal), Joaquim Guerrinha é um elemento preponderante, contribuindo para o seu crescimento (é dele o desenho dos sorteios, sua principal fonte de receitas), e beneficiando dos seus serviços (é na Liga que conclui os ensino liceal que lhe tinha sido negado em adolescente).

Joaquim Guerrinha morre em 1976, vítima de enfarte do miocárdio.

Tem o nome numa das ruas de Sines desde 2006.

Fontes de informação

Este texto é baseado no livro "Uma Luz na História", de Dalila de Jesus Guerrinha, publicado em 2004 pelas Edições Colibri.